A Cura Através da Palavra: O Papel da Fala na Psicanálise
- Vitor Azevedo Michel
- 20 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de jun.

Não é incomum ouvirmos, em uma primeira sessão, o analista dizer ao paciente falar o que vier à mente e evitar censurar conteúdos que possam surgir. Para uma pessoa que nunca experienciou uma análise esse convite pode parecer algo sem sentido. Entretanto, essa postura de se permitir falar sem filtros - o que chamamos de associação livre - é crucial para o tratamento já que ela nos ajuda a escutar o inconsciente. Nesse texto, convido para pensarmos sobre a fala e sua importância para o processo analítico.
Talking cure: a cura pela fala
Ainda que distinto do que hoje entendemos por associação livre, esse método foi utilizado por Freud desde o início de sua carreira médica, com o objetivo de tratar os sintomas das pacientes, por meio da liberação e expressão de sentimentos reprimidos. Uma de suas pacientes chegou a nomear o método de 'chimney sweeping' (limpeza de chaminé), justamente pela sensação de descarregamento que a técnica causava. À medida que Freud continuava a desenvolver a psicanálise durante seus atendimentos, percebeu que os pacientes traziam conteúdos conflitantes e até estranhos para si mesmos, especialmente quando ele adotava a postura de permanecer em silêncio, em vez de interromper o discurso com tanta frequência.
Quando questionava seus pacientes sobre tais conteúdos, eles frequentemente se surpreendiam e traziam profundas reflexões sobre o que haviam dito. Além desses conteúdos, Freud também notava padrões e resultados semelhantes quando questionava os tropeços na fala – como trocar nomes ou letras – e as piadas que os pacientes traziam. Tanto os pacientes quanto o próprio Freud percebiam, juntos, que ao prestar atenção nesses pequenos detalhes, havia ali uma lógica, um sentido, uma verdade inconsciente. Escapavam ali na fala do paciente conteúdos que foram reprimidos inconscientemente - seja por serem insuportáveis ou conflituosos para lidar - que encontravam uma maneira de se manifestar.
Mais adiante na década de 50, o psicanalista Jacques Lacan revisita os primeiros escritos psicanalíticos de Freud e avança na discussão ao afirmar que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. Tal afirmação denota que, diferente da ideia de se pensar o inconsciente como um lugar misterioso e inacessível, ele na verdade está no cotidiano, nas palavras e frases que o analisando repete frequentemente sem perceber. Ao intervir a partir da fala, o analista propõe ao analisando refletir e observar a questão a partir de uma outra perspectiva, isto é, de uma posição que o faz enxergar àquilo que é mais verdadeiro do paciente: a sua verdade.
Conclusão
Portanto, ao convidar o paciente a poder falar livremente evitando se censurar, o inconsciente estará ali presente, cabendo então ao psicanalista apontar e pensar junto ao paciente qual o sentido e significado que pode estar por trás de certas palavras que insistem em aparecer, apontando não somente a raiz do sofrimento mas também caminhos possíveis para sua resolução.
Referências:
FREUD, Sigmund. Obras completas, v. 5. Psicopatologia da vida cotidiana e sobre os sonhos (1901). São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
FREUD, Sigmund. O Inconsciente (1915) In: Obras completas, v. 12. Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (1914 - 1916). São Paulo: Companhia das Letras, 2021. p. 99 - 138
LACAN, J. A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 496 - 533
LACAN, J. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 238 - 324


